quinta-feira, março 05, 2020

Para não enlouquecer

(a resposta a mais um desafio, este tem banda sonora - se a aguentarem....)


Parei no café e tomei um comprimido com uma cerveja.
Trago o blister no bolso.
Parece que os tomo como smarties. Já os experimentei de todas as cores, feitios, tamanhos...
Não resulta!
 “Transtorno depressivo inespecífico” dizem.
Perdido por cem, perdido por mil – experimentemos a bruxa!

Passo o postigo.
Um cenário psicadélico atordoa-me. As tintas néon preenchem a parede com formas intrigantes, traços inicialmente simples vão sucessivamente dando lugar a linhas mais curvas e humanizadas, que em sugestões orgíacas, se fundem e interpenetram numa fusão anárquica de corpos.
Não sei se reparo primeiro no cheiro a ganza ou na música picodélica com laivos tribais que numa batida hipnótica faz dançar as formas da parede. Mas tudo aquilo me atrai e vou avançando como que num transe, sem critica ou controle.
Ela não é nada do que tinha imaginado.
Uma mulher magra, calva, vestida de branco, dança sozinha no meio da sala. Em movimentos lascivos o corpo solto e alvo parece irradiar um brilho próprio que de início me confunde. É albina.
Silêncio.
Dirige-se a um balcão, também ele branco, e meneando o corpo ao ritmo da batida, vai juntando com extremo cuidado elementos zelosamente guardados em pipetas e provetas, e oferece-me a preparação a beber.

Sento-me num atordoamento no colchão encostado à parede e perscruto a minha alma.
Invade-me uma leveza desconhecida. A massa cinzenta e turva que me ocupava dissipa-se e de repente sou só vazio. Por um momento conheço a “paz branca”, um continente inteiro de branco infinito, “um mundo albino” – lembro-me de pensar.
Mas numa torrente tsunâmica sinto a atropelarem-se outros sentires em mim. O vazio que a tristeza deixou dá lugar a angústia, euforia, zanga, amor, ciúme, culpa, esperança, luxuria, medo, ...

Num movimento de pânico volto à rua.
Quero a tristeza de volta que só ela contém a loucura que há em mim.

6 comentários:

  1. Está o máximo! Gostei muito!
    (não fazia ideia do que escrever e esta semana o meu foi um pouco a despachar)

    ResponderEliminar
  2. A loucura é um privilégio dos sábios

    ResponderEliminar
  3. Gostei mais deste do que daquele que teve a máxima pontuação

    ResponderEliminar
  4. Eu não li
    (Já te disse que quase nunca leio)
    Leio os teus!
    :)
    E é interessante ver como outra pessoa conta uma história às vezes tão diferente partindo do mesmo mote!
    Mas muito obrigada!

    Ainda nem uma palavra escrevi do desta semana. Ainda tenho umas horas....

    ResponderEliminar
  5. Mar Arável...
    Felizes são esses loucos (e que lufada de ar fresco)
    Que da “outra loucura” só transpira angústia

    ResponderEliminar
  6. Fui ler o texto redonda,
    E gostei muito!

    ResponderEliminar