(Texto escrito em 2006 a propósito de um grupo de amigos que muito acarinho)
O velho Sigesmundo olhou pela janela.
Lá fora, um gato sentado no beiral, olha a chuva que cai. Em Viena, sem
qualquer dúvida, haverá sol! Uma dor lancinante repõe-o em Londres. Como
a realidade nos rouba os sonhos, pensou! Tacteou a mesa na sala escurecida e
num gesto que, pela força de ser repetido se tornou automático, leva o seu
cachimbo à boca. É hoje que o acendo?
E o velho Sigesmundo olhou pela janela.
Se ao menos tivesse tempo para um último livro.
Não me restam forças... sobre o que escreveria?
Há aqueles casos sobre os quais nunca tive tempo de escrever. Lembro-me
bem deles!
Doze pacientes cuja história (e patologia) me fascinou! Todos eles com
uma estranha disfunção da libido que os faz encontrarem-se periodicamente e
terem prazer nisso!!!! Caso estranho este de quererem ter projectos comuns.
Fosse esta outra fase da minha vida e com certeza iria encontrar neles
comportamentos semelhantes às famílias dos grandes símios em que os
adolescentes descobrem o ambiente e se descobrem (curiosos os seus jogos
sexuais - dos símios a bem ver!) no seio do grupo.
Nestes, a quem, por falta de denominação e por agora se encontrar mais
adequado, chamarei de Psiconautas, a energia libidinal está soberbamente
sublimada. São grandes as obras que sonham criar nas longas tardes de primavera
que passam em conjunto.
As fantasias neuróticas, com alguns traços maníacos mal disfarçados,
levam-nos a falar de bailes com a rainha, viagens conjuntas a países estrangeiros
e até, imagine-se, a escreverem livros, que perpetuem a confraria dos
Psiconautas.
Esta estranha alteração da libido de que vos falo é visível também num
novo mecanismo de defesa, sobre o qual não me resta tempo de vida para
teorizar, a que chamei docificação. A libido é aqui sujeita pela força do
recalcamento a um desvio/deslocamento. O recalcado imerge então, com recurso à
negação, numa espécie de torpor que leva o sujeito a dirigir-se à cozinha e a
produzir iguarias ricas em açúcar e ovos. Este estranho mecanismo de defesa, de
natureza totalmente neurótica, foi encontrado por mim em todos os psiconatas,
mesmo naqueles em que a força do recalcamento é maior e em que este
comportamento não se encontra com tanta frequência. Por vezes encontra-se uma
variante que se caracteriza pela deslocação a uma loja do ramo para adquirir
queijos e enchidos!
Este comportamento é sazonal manifestando-se quase unicamente no primeiro
fim de semana da primavera.
Consta que em tais reuniões há recurso a tisanas e outras drogas
duvidosas como forma de negação do prazer vivido e partilhado no consumo de
tais iguarias.
E o velho Sigesmundo olha pela janela.
IA; TM; SC; FG; ASM; PR; CN; IG; FD; LR; RM; MCP; todos eles fazem parte
das suas memórias de futuro (e não é que um individuo foi roubar esta ideia e
deu este titulo a um livro!?). São o livro que ficou por escrever do
velho Sigesmundo...
Hoje sou eu quem olha pela janela.
E vejo estas vidas que se continuam a escrever com a presença do velho Sigesmundo
Excelente e tiro-te o meu chapéu!
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