sexta-feira, maio 06, 2016

Freud

No dia do 160º aniversário do Freud partilho convosco um texto escrito há uns 11 anos - altura do final da minha formação em psicanálise.


O velho Sigesmundo olhou pela janela.
Lá fora, um gato sentado no beiral, olha a chuva que cai. Em Viena, sem qualquer dúvida, haverá sol! Uma dor lancinante repõe-o em Londres. Como a realidade nos rouba os sonhos, pensou! Tacteou a mesa na sala escurecida e num gesto que, pela força de ser repetido se tornou automático, leva o seu cachimbo à boca. É hoje que o acendo?
E o velho Sigesmundo olhou pela janela.
Se ao menos tivesse tempo para um último livro.
Não me restam forças... sobre o que escreveria?
Há aqueles casos sobre os quais nunca tive tempo de escrever. Lembro-me bem deles!
Doze pacientes cuja história (e patologia) me fascinou! Todos eles com uma estranha disfunção da libido que os faz encontrarem-se periodicamente e terem prazer nisso!!!! Caso estranho este de quererem ter projectos comuns. Fosse esta outra fase da minha vida e com certeza iria encontrar neles comportamentos semelhantes às famílias dos grandes símios em que os adolescentes descobrem o ambiente e se descobrem (curiosos os seus jogos sexuais - dos símios a bem ver!) no seio do grupo.
Nestes, a quem, por falta de denominação e por agora se encontrar mais adequado, chamarei de Psiconautas, a energia libidinal está soberbamente sublimada. São grandes as obras que sonham criar nas longas tardes de primavera que passam em conjunto.
As fantasias neuróticas, com alguns traços maníacos mal disfarçados, levam-nos a falar de bailes com a rainha, viagens conjuntas a países estrangeiros e até, imagine-se, a escreverem livros, que perpetuem a confraria dos Psiconautas.
Esta estranha alteração da libido de que vos falo é visível também num novo mecanismo de defesa, sobre o qual não me resta tempo de vida para teorizar, a que chamei docificação. A libido é aqui sujeita pela força do recalcamento a um desvio/deslocamento. O recalcado imerge então, com recurso à negação, numa espécie de torpor que leva o sujeito a dirigir-se à cozinha e a produzir iguarias ricas em açúcar e ovos. Este estranho mecanismo de defesa, de natureza totalmente neurótica, foi encontrado por mim em todos os psiconatas, mesmo naqueles em que a força do recalcamento é maior e em que este comportamento não se encontra com tanta frequência. Por vezes encontra-se uma variante que se caracteriza pela deslocação a uma loja do ramo para adquirir queijos e enchidos!
Este comportamento é sazonal manifestando-se quase unicamente no primeiro fim de semana da primavera.
Consta que em tais reuniões há recurso a tisanas e outras drogas duvidosas como forma de negação do prazer vivido e partilhado no consumo de tais iguarias.
E o velho Sigesmundo olha pela janela.
IA; TM; SC; FG; ASM; PR; CN; IG; FD; LR; RM; MCP; todos eles fazem parte das suas memórias de futuro (e não é que um individuo foi roubar esta ideia e deu este titulo a um livro!?). São o livro que ficou por escrever do velho Sigesmundo…


Hoje sou eu quem olha pela janela.
E vejo estas vidas que se continuam a escrever com a presença do velho Sigesmundo

5 comentários:

  1. Portanto parte do comportamento dos psicanalistas é olhar pela janela e estudar o comportamento dos gatos... voyeurismo animal?

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  2. Ai, Boop!
    Não sabia eu que os psicanalistas nos olhavam pela janela rrrrsss

    bj amg

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  3. Ahahahah
    (isto é puro preconceito contra os psicanalistas!!!!)

    Vá lá….

    Toda a gente olha através das janelas.
    (e há tantos tipos de janelas reais e metafóricos)
    Até o poeta Augusto Gil nos lembra disso!

    "Olho-a através da vidraça.
    Pôs tudo da cor do linho.
    Passa gente e, quando passa,
    os passos imprime e traça
    na brancura do caminho…"

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  4. Se não me falha a memória já o tinha lido, porque esse "velho Sigesmundo" não me é desconhecido.

    De qualquer forma gostei de ler e há que olhar bem pelas janelas que cada um tem, sobretudo pelos profissionais como tu linda:)

    Beijocas e uma boa semana

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  5. gostei da docificação
    jajaja

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