sábado, fevereiro 24, 2018

A mão do meu pai

 Nunca mais vos dei noticias disto.

Um dos meus textos:
(não podemos revelar o desafio que deu origem ao texto - é o contratado na inscrição)

Sentia que voava em passo apressado pelas ruas da baixa, a minha mão pequena presa à mão forte do meu pai, era como a proa de um navio a rasgar o mar de gente. Ao nível dos meus olhos ficavam os casacos de inverno, as malas das senhoras, o fumo dos assadores de castanhas. Eu seguia cega, o meu pai era os meus olhos e a minha segurança.
Morreu ontem o meu pai.
Hoje há outro mar de gente que não conheço, mas que como vagas de invernia invadem o meu espaço com abraços e palavras desajeitadas de conforto. Não os quero. Os seus corpos são-me estranhos, como se fossem feitos de uma massa diferente da minha e da dele. Sinto asco. Uma repulsa que disfarço a custo.
Penso nos corpos por baixo das roupas, corpos velhos, flácidos, sem serventia. Invade-me a sensação conhecida de uma ansiedade crescente. Começo a pensar em respirar. Inspira. Expira. Saio numa ânsia por ar. Acendo um cigarro e com ele compasso a respiração.
Raio dos velhos. 
Quanto tempo me falta para ser velha?
O Fernando sentou-se ao meu lado. Amigo de sempre do meu pai, faz das histórias que viveram juntos aventuras perigosas e apaixonadas que enchem os serões como se uma orquestra inteira musicasse ao vivo um filme hipnotizante. Mostrou-me outras facetas do meu pai que assim se tornou mais pessoa aos meus olhos.

Aponta-me por entre as gentes que hoje vieram despedir-se, as personagens das histórias que me encheram a infância, e que ouvi encantada tantas vezes. Embalada pelas memórias, de episódios que de tantas vezes repetidos se tornaram também meus, percebo que todos eles me podem trazer uma parte do meu pai que desconheço. Se conhecer estas pessoas talvez possa perceber melhor a minha própria história.

Estão inscritos mais de 200 participantes.
Neste desafio, o senhor de quem eu não gosto particularmente, deu dois 16 e dez 15, o resto entre o 12 e  14.
E não é que me avaliou com um 15?!? - e na verdade eu própria não me tenho sentido particularmente inspirada....
Mas não, não foi o suficiente para gostar mais dele...

3 comentários:

  1. Lindo e muito verdadeiro. Eu que não percebo nada dava-te um 20:))) mas o tal-dito-cujo-não-gostas-particularmente deu-te 15 em 200 participações.

    Não podes revelar o contratado mas eu quase arriscaria a dizer qual é:)))

    ADOREI! e vai em frente!

    Beijocas

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  2. Parabéns, Boop! :) (acho que os meus últimos comentários neste blogue são sempre de parabéns por qualquer coisa... :S)

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  3. Obrigada Fatyly!
    Caliope... tu está à vontade! As vezes que quiseres!

    :)

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