São 11 da manhã.
Quase sem pensar abeira-se da janela e espera.
Não precisa de olhar para o relógio sequer.
Há um tempo interno, programado inexplicavelmente, que faz com que o tempo se organize e os passos a levem até às portadas. Uma armadilha do seu inconsciente, que na busca de uma gratificação primária, a leva ao local do crime.
"Local do crime" - ri-se!
Tinha começado a chamar-lhe assim, em silêncio, numa brincadeira consigo própria. Ou não são os segredos adjectivados de tantas maneiras por quem fica de fora?
O crime...
Um delicioso crime.
Era a hora em que ele aparecia habitualmente. Sorrateiro, surgia no fundo da rua. Olhava em volta. Confirmava que não vinha ninguém. Pegava numa pedrinha no canteiro em baixo e atirava-a com perícia à janela dela.
Ela que já lhe conhecia os passos e os gestos, antecipava-se e vinha espreita-lo. Parecia-lhe um qualquer animal astuto, que caricaturalmente parecia arguto e assustado ao mesmo tempo, pela forma como olhava por cima do ombro e garantia que ninguém o via.
Tinha sido assim toda a primavera.
Às vezes dizia-lhe só adeus e seguia. Outras ela descia e ficavam horas perdidas em conversas sem fim (e às vezes sem princípio até), sentados nos degraus do alpendre.
Mas o Verão foi chegando.
E com ele as visitas foram-se espaçando.
Ela olhava as pedrinhas do canteiro de forma inquisitiva como se lhes pudessem elas justificar as ausências. Pois se ali continuavam porque não serviam os seus propósitos?!
Parecia que com a primavera, tão plena de princípios e de promessas, tinham partido os sonhos. E que o calor do Verão lhe tinha aberto o peito, que como um fruto ressequido e gretado, esperava, pegajoso e estéril, que algo determinasse um desfecho.
Mas são 11 da manhã.
E corre-lhe nas veias, alimenta-lhe as vísceras, comanda-lhe os músculos, uma vontade qualquer que não a da sua cabeça, e abeira-se da janela.
Surge alguém na curva da rua.
Reconhece-lhe o andar, a forma como os braços acompanham a marcha, o jeito como afasta a madeixa de cabelo que cai desleixada nos seus olhos.
E espontaneamente sorri.
Toda ela se ilumina como se fosse primavera, mesmo sabendo que o calor do verão aperta.
É bonita quando sorri assim.
Ele baixa-se e pega numa pedrinha...
(E não pensem que está iludida, que esta não é uma história de amor, é o reencontro que se celebra, como se pudessem assim os dois, juntos, recriar a primavera)
Nem foi preciso atirar a pedrinha à janela.
ResponderEliminarMenina estás à janela...
Apeteceu-me essa música, mas era demasiado óbvia....
ResponderEliminar:)