quinta-feira, fevereiro 27, 2020

Eu e o meu pai

(mais um texto do campeonato de escrita criativa)

26 de Fevereiro de 2020 – 11h32
O telefone tocou.
A voz da Ana, a enfermeira que o acompanha, diz-me, num tom indecifrável, que ele acordou.

O acidente foi na noite do meu 22º aniversário, o ano 2000 ia ser memorável... liguei-lhe para me vir buscar porque tinha bebido demais, uma daquelas saídas de rapazes com uma liberdade que naquele dia me foi roubada para sempre.
E o pai nunca apareceu.

Pego no casaco, na chave do carro e saio.
Como vou explicar que a mãe morreu?
A dor daqueles meses infindáveis em que a vi definhar, e o abandonei a ele (quase não o visitei desde que a mãe partiu) acerta-me como um murro no estômago.

O dia está claro, o céu de um azul forte acolhe o sol de inverno, um dia lindo!
Desde quando a Primavera teima em chegar em pleno Inverno?
Olho para a fotografia do tablier, tirada apenas há uma semana, onde estou divertido com os meus dois filhos a fazerem tropelias.
Estou tão parecido com ele.
Não soube que casei, que tive dois filhos, que me divorciei.
Nada sabe das minhas dores nem dos meus amores.

Assalta-me a presença da Rita, a mulher que deixei a dormir na cama desfeita esta manhã, a lembrança da sua pele fundida com a minha, num tumulto voraz e louco de corpos entregues sem tabus. São memórias corpóreas que trago comigo.
Que saberá o meu pai da paixão?

Os pensamentos sucedem-se agitados, incoerentes, descompassados, companhias fugazes no trajeto até ao meu pai.

Estou impregnado de uma culpa que pensava ultrapassada há muitos anos.
O pai nunca apareceu.

Não sei se tenho 22 ou 41 quando entro no quarto do meu pai.
Mas são quentes e grossas as minhas lágrimas, quando me vê diz a sua primeira palavra: “Pedro”.

3 comentários:

  1. Gostei muito!
    (incrível termos pensado as duas no nome Pedro :)

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  2. Os Pedro evocam sempre doçura.
    Bfds

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  3. Adorei e comoveu-me bastante. Parabéns garota linda:)

    Beijos

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