sábado, junho 16, 2018

Noite de Lua Mãe

A noite estava quente, sem nuvens, mas também sem estrelas, a lua, cheia e redonda, reflectia uma luz brilhante que iluminava até aquele pedaço da terra onde os candeeiros públicos permaneciam adormecidos, quais personagens de contos de fadas numa espera sem tempo pela mudança almejada.
Ela entretinha-se nestes pensamentos. Ajudavam-na a ter um olhar mais atento para o que se passava dentro e fora dela. Procurava adjectivos, metáforas, eufemismos, aqui e ali uma rima, que a ajudassem a ver melhor o mundo, a perceber-lhe os encantos e as histórias que ainda estariam por contar.
Sorriu. Sempre fora má aluna a português. Nada percebia de gramática e a ortografia era um bico de obra.

As memórias... tão curioso o que escolhemos guardar...
Fez o exercício de procurar memórias antigas. 
Surgiram recortes. Misturas de lembranças, episódios contados, fotografias antigas, com todas as desconfigurações que a cortina do tempo impõe e cozinhados pelos caprichos do desejo e da reconstrução.
Decidiu subir o nível de dificuldade do jogo.
A primeira lembrança feliz.
E um pensamento fugaz veio-lhe à consciência. Agarrou-o! (não o queria deixar fugir)
Uma fração de tempo feliz.
Estava no banco de trás do carro, um Toyota Corolla branco, com os irmãos, a Sofia e o João, a mãe conduzia o carro. Iam numa manhã de Verão até à praia de Carcavelos (num tempo em que a praia de Carcavelos era imensa, com um extenso areal).
A mãe.
Apaziguadora lembrança.




Atrás desta vieram outras memórias. O pintar no terraço. O plantar no jardim. A gelatina nas cascas de laranja. O colo quando chegava da rua chateada com alguma coisa, ou por ter lutado mais uma vez com o Chico, amiguinho da rua, unha e carne, risos e zangas intensas. A voz a chamar o seu nome na rua quando chegava a hora da refeição. O costurar dos fatos de carnaval. Os serões a bordar os tapetes de arraiolos. A ráfia que havia sempre lá por casa para todo o tipo de trabalhos manuais. As mãos cheias da margarina de untar as formas dos bolos...

A noite de lua cheia, grávida de tanta luz, levou-a até à mãe.
São presença constante as mães.
Reduto de segurança seja na presença seja na ausência.
Olhou para o relógio. Ainda não é muito tarde.
Procura no telemóvel o contacto “mãe”. 
Apeteceu-lhe falar com ela.

8 comentários:

  1. escreves muito bem
    já tinha dito?

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  2. Pois não sei...
    Mas é coisa que se pode dizer muitas vezes!!!
    Ehehe

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  3. Que maravilha e mãe é sempre mãe embora por vezes já não se possa pedir colo. Sei do que falo e como custa.

    Adorei garota linda e como escreves tão bem!

    Beijocas e um bom dia

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  4. Gostei da escrita. Há mais?
    Boa semana

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  5. Fatyly.
    Há sempre a mãe preservada de alguma maneira dentro de nós, que nos ensina a darmos colo a nós próprios.
    E... obrigada!! 😜

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  6. Observador,
    Há mais por aí...
    Vou escrevendo de vez em quando!
    É só procurar.

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  7. Obrigada Pedro
    Boa semana!
    :)

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