A cabeça fica de repente despojada dos seus fieis hospedes. Milhões de trocas eléctricas parecem ficar com a actividade reduzida ao essencial e apenas os comportamentos mais rudimentares são efectuados com exactidão.
Os pensamentos aparecem apenas de passagem. Como se não se quisessem demorar. Deixam uma ideia, adivinha-se um filão, surge uma imagem, mas quando se tenta elaborar, associar, construir uma narrativa, pluf... já não estão lá. As palavras, como abstracções que são, pertencem à clareza inacessivel! Não podendo dizer que a cabeça esteja vazia, diria que terá talvez portas e janelas abertas, e que não estando bem arrumada e aprumada não se torna convidativa para esses pensamentos que tanto gosta se queiram instalar e medrar. Incapaz de organizar uma história, real, filosófica ou simplesmente especulativa, limita-se à vivência indefinida da passagem das horas.
E um pensamento algo infantil parece agarrar-se à ombreira da porta antes de se lhe escapar por completo: "Para onde irão todos esses pensamentos?"
_______________ _______________
É sabido há muitos séculos que a sabedoria não se possui. Essa ideia só por si é a antítese da verdadeira sapiência. Nenhum homem verdadeiramente sábio afirmou alguma vez ser dono de uma ideia ou ter sobre ela algum domínio. Um pensamento é uma construção que só cresce e se desenvolve quando exposta às intempéries do confronto, e será sempre uma obra inacabada
_______________ _______________
Um pensamento entrou pela janela mas vendo a porta aberta saiu de mansinho..
Apanhou uma corrente de ar quente e subiu, subiu... ao contrário de Ícaro (que não conhecia ainda bem as leis da física) à medida que subia ia ficando mais compacto e frio, e por isso mesmo mais claro e transparente, até se transformar numa ínfima pedra de gelo (que como sabem os pensamentos quanto mais grandiosos menos espaço ocupam).
E assim, pequeno, límpido e brilhante se despenhou sobre a terra, transformando-se em chuva miúda.
Quis a sorte que fosse cair bem em cima de um dos seres mais antigos e perfeitos!
Uma enorme árvore secular, aparentemente indistinta das restantes árvores da floresta, que com aparente indiferença o recebeu nas suas folhas, o acolheu, e o integrou tornando-o parte constituinte de si própria.
Há naquela floresta várias árvores como esta. Prenhes de pensamentos, pensamentos de todos os géneros, sem idade, sem género, sem cor, sem religião, sem moral. Pensamentos que buscam pensadores, e estão atentos aos caminhantes que de quando em vez por ali passam. E quando podem, às vezes sem pedir licença, apanham boleias nas mentes livres, e constroem na teia indecifrável da alma humana, encadeamentos únicos, narrativas singulares, ideias novas, até serem libertados de novo, completamente transformados, para reiniciarem o ciclo da sua existência.
Caminho de Santiago - Árvore na Via da Plata - em San Cristovo de Cea (Junho 2018) |
PS - Deveriam na escola ensinar o ciclo dos pensamentos, da mesma forma que ensinam o ciclo da água, do carbono, do oxigénio, ..?
Isto é o que se chama verdadeiramente soltar e dar liberdade ao pensamento.
ResponderEliminarBoa semana