quarta-feira, dezembro 05, 2018

Germano Almeida














Como já vos disse gosto de, quando viajo, levar um livro cuja acção decorra no país que vou visitar.
Este ano na feira do livro, e estando já a preparar este congresso em Cabo Verde, comprei uma serie de autores africanos. Tive a sorte de encontrar o Germano Almeida na feira, de ter conversado com ele a propósito do congresso e sair de lá com um livro autografado. Ainda para mais, foi um dos nossos convidados numa mesa dedicada à arte, e ao seu papel na comunicação e elaboração da história individual e global.

O livro foi um pouco escolhido ao acaso dentro da sua vasta obra. Não tinha grandes referências e peguei neste...
Estava eu em são Vicente, o livro fala da Boa Vista.... suficientemente perto!

Senti-o como uma história contada à porta de casa para ajudar a passar o tempo nas longas noites africanas do antigamente. Num ritmo leve e algo errático, saltitante, vai-se contando a história da ilha e das suas gentes.

Gostei mais da obra do que do homem. Mas na verdade isso acontece-me muitas vezes.

Deixo-vos uns excertos:

"...Isso porque era sabido que a partir daquela hora minguada, todas as esquinas, todos os becos e travessas e portais em recantos escondidos, tinham outros donos e senhores, essas fantásticas criaturas do outro mundo que se mostravam tanto mais desapiedadas para com os mortais, quanto é certo que sentiam vexadas e ultrajadas e ofendidas no seu direito de livremente e sem cheiro de sangue real correrem e cavalgarem até de madrugada pelas ruas dos povoados, em estrondos fragorosos e satânicas gargalhadas de arrepiar os cabelos de todo o corpo, antes de de novo regressarem aos fundos marinhos onde faziam morada durante as horas de sol sobre a terra..."

"...Depois dos dias iniciais, muito pouco havia para conversar com os da casa, os contadores de estórias tinham todos morrido sem deixar substitutos, de modo que já não havia aquelas reuniões à porta de casa com os adultos sentados em cadeiras, os mais pequenos espalhados pelo chão enquanto nho Quirino ou Moriçona ou um qualquer apanhado na hora debitava longos rosários de intermináveis estórias."




3 comentários:

  1. Ter o prazer de conhecer pessoalmente os autores e com eles trocar impressões é sempre um privilégio.

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  2. Não conheço o autor, mas, pela sua descrição, o livro me pareceu interessante (bonita a capa). "Gostei mais da obra do que do homem." Acho que entendo bem isso, em geral as pessoas são mais interessantes escrevendo do que falando. Espero que estejas bem, um abraço!

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  3. Boa tarde Pedro Coimbra e Ulisses Carvalho (para um será boa noite e para outro bom dia, na verdade! :) )

    É interessante conhecer os autores sim.

    Não sei se as pessoas são mais interessantes escrevendo - é sem dúvida um discurso mais pensado, trabalhado, um registo mais poético, estético. Mas há pessoas que nos encantam exactamente pelo que revelam para além da escrita - em especial os poetas, que ao vivo e a cores se revelam homens (e mulheres) menos sublimados, mais reais e palpáveis, são sempre caixinhas de surpresas!

    Talvez quando lemos emprestemos ao texto muito de nós, as imagens, os sons, as cores, o frio e o calor, os pormenores da história que não são narrados, os cheiros, vamos buscar memórias e fantasias que nada têm a ver com o autor e são tão somente meras projecções nossas. Por isso ficam tão vivos os textos - e tão interessantes para cada um dos leitores. Mas acho mesmo que ninguém lê "exactamente a mesma história".

    :)
    Até breve aos dois!

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