sábado, março 02, 2019

Dias de infância

Há lugares, muito poucos, onde se pode refugiar.

Em dias como o de hoje queria poder voltar atrás, a um tempo que na verdade sabe que nunca existiu mas que foi fabricando sem se aperceber, reconstruindo a sua própria história a cada vez que a visitava.
Sentir-se segura.

Imaginava um jardim, um baloiço, o verde, as árvores, o embalar... mas não iria ser suficiente... seria mais uma espécie de comiseração. (Também para a magia de um baloiço há um tempo que não volta.)

Ontem recebeu um telefonema que a desarrumou.
Profissional.
Um trabalho que foi cancelado.
Sente-se infantil por se deixar perturbar por isso.
Por se questionar...
Fará TUDO mal?
Tudo, é tudo! Um sentimento de incompetência que de repente atravessa como uma flecha de fogo todas as áreas da sua vida. TODAS! E o fogo alastra, destrutivo e implacável.

Mas quem seria ela se não se deixasse perturbar?
Acarinha cada sobressalto do seu coração, cada vez que se comove, que se aquece - seja com zanga, desejo, ou ansiedade, que se ri com vontade, que espera.
Sim, isso também aprendeu. Que viver, é sentir. E suportar a intensidade dos seus afectos, e que nos afectos se encontra finalmente a si própria. Crescer para ela foi isso. Aprender a não temer os afectos, os dela e os dos outros. Embora tema às vezes... no mais intimo de si, nestes dias em que queria voltar a esse tempo sem tempo.

Hoje, queria um refúgio. Alguém que fizesse o impossível e a fizesse sentir que estava TUDO bem. Que fosse um pouco de infância, um pouco de colo, um pouco de porto seguro.
Sabia, porque era sempre assim, que bastaria uma palavra simples, um afecto genuíno, para a repor no mundo dos adultos e da relatividade desta solidão acompanhada em que se vai caminhando. Saber que se sobrevive à infância idealizada, e que é como adultos que podemos verdadeiramente Ser.

E eis que, numa troca de mensagens banal, e de onde menos esperava, um amigo devolve-lhe o que lhe faltava hoje. O sentir-se reconhecida. O afecto desinteressado de quem nada deve e nada espera. E percebeu que este lugar de pertença não é afinal um retorno à infância perdida, é um aqui e agora, efémero, sem lugar cativo, mas imprescindivelmente de Verdade.




1 comentário:

  1. Pois é linda e é isso que nos faz crescer e sim por vezes sentimos a falta de colo e eu a minha roda de tractor que fazia de baloiço pendurada numa mangueira. Um texto profundo e comovente com o qual me identifiquei.

    Beijocas e uma boa tarde

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