domingo, abril 26, 2020

Abril


A 25 de Abril de 74 tinha eu 1 ano.
Cresci numa família muito pouco politizada. Algo acomodada talvez.
Sempre cumpriram os seus deveres cívicos - votar, não chatear o vizinho para também não ser chateado, não infringir a lei. Sem relações de amizade partilhadas com os filhos, sem convidados em casa.
Eu aprendi a ter uma leitura sobre a minha família e os meus pais em particular, mas nenhuma das coisas que consegui compreender tinha em si qualquer cunho de pensamento e/ou intervenção política.
Para mim o 25 de Abril era o dia de aniversário da minha avó - que eu adorava. Era isso que tornava o dia especial! E muito!
Depois cresci....
E aprendi.
Não a história - essa é de fácil acesso.
Aprendi o valor da minha liberdade.
Aprendi a amizade no seu "quê" mais profundo.
Aprendi que posso amar (no seu sentido mais lato) o diferente.
Aprendi o "a-moral".
Aprendi que a minha voz, por mais insignificante que seja, tem direito a ser ouvida.
Aprendi que não sou obrigada a repetir a história.

E sei, mesmo que nunca ninguém me o tenha verdadeiramente ensinado - porque creio que a verdadeira aprendizagem vem da partilha e da emoção - que posso sentir-me livre porque quando eu tinha 1 ano de idade algo mudou no país onde eu nasci.

Não preciso (mas posso) de o gritar na rua nem na janela - porque nunca foi essa a minha história - mas sei, em mim, de onde veio a minha liberdade.

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Penso que todos já conhecem a imagem central - um homem que caminha sozinho na avenida. Consigo imaginar a sua necessidade de ir. E consigo perceber que é uma imagem forte e esteticamente interessante - pela enquadramento e pelo simbolismo. Mas é uma irreverência para mim desnecessária. É tempo de ficar em casa! - Afinal tenho a minha costela de conservadora! - Quem sai aos seus não degenera!

17 comentários:

  1. A "imagem central" é a de um idoso que ontem, dia 25 de Abril, percorreu sozinho a Avenida da Liberdade. É não é?

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    1. Parece me de uma avassaladora Verdade o que escreves. Partilho desse mesmo sentir, talvez até por ser uma parte d'"o" diferente... Beijo

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    2. Mtt PJ - tu podes avaliar a minha verdade melhor do que ninguém. conheces todos os personagens desta minha história. E ajudaste-me a crescer (ajudas!) em liberdade!

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  2. Gostei muito do que acabei de ler aqui...revejo-me na quase totalidade do seu texto...ainda que em Abril de 74 eu fosse uma criança com apenas 7 anos celebrados há menos de seis meses.
    Bom Domingo, Boop.

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    1. Cada um com a sua história... e também com (maior ou menor) a necessidade de a reescrever.

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  3. Adorei a publicação! :)
    -
    Ler com olhos de ler, coração comovido.
    -
    Beijos e um excelente noite Domingo, em casa.

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  4. Não vi esta pessoa c caminhar pela avenida da Liberdade. Vejo agora aqui a foto. De facto, é de um simbolismo emocionante. Arrepiei-me ao ver. Gostei muito de ler o texto, revendo-me na maioria das partes dele, excepto na questão de ter um ano e idade quando aconteceu o 25 de Abril. Eu tinha um pouco mais.

    Lembro-me bem desse dia. Muito bem mesmo

    Cumprimentos

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    1. é uma imagem marcante - e o fotografo também é muito bom - José Sena Goulão.
      Não era o único na avenida como a imagem faz parecer.

      https://www.jn.pt/nacional/este-homem-desfilou-sozinho-em-lisboacom-portugal-as-costas--12117320.html

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  5. Crescer, aprender, embater, aprender, rir, transgredir, aprender, cair, amar, aprender, tentar voar...
    Há qualquer coisa de único na história de cada um, com ou sem bandeiras ao vento.
    Quanto ao homem da bandeira, quanto eu o entendo, quase até à admiração. Mas isso já é outra história.

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