quinta-feira, julho 09, 2020

Tem?

Em "O livro das Semanas" do meu amigo David Rodrigues

(o texto meu)

Sentado no velho cadeirão de orelhas do seu quarto agora escuro olha, pela janela aberta para deixar entrar o fresco da noite, para a cidade que ao longe parece um um mar de luzes silencioso.
O escuro em que a floresta se transforma nas horas nocturnas, cria um negro fosso que o faz sentir distante. Gosta, cultiva até, esta ideia de isolamento. Tenta apagar a fulgurante vista diurna, em que consegue distinguir as manchas de pinheiros, carvalhos, eucaliptos, uma ou outra clareira, e em que consegue desenhar, mesmos sem o ver dali, o pequeno rio que atravessa o arvoredo. Domina os trilhos, sabe da localização de alguma tocas, e onde pode, com sorte, avistar um veado, ou um javali, ou onde pela manhã os coelhos abundam.
Mas a noite... a noite mostra-lhe as luzes da cidade.

Ele conhece a cidade.
Sabe-lhe o pulso acelerado e a respiração vibrante.
A cidade é mulher.
Seduz. Conquista.

Observa-a de longe.

Talvez.
Se.

O computador está ao alcance da mão.
Meia dúzia de mails e consegue encontrar-se com a rapaziada.
Há quanto tempo não tem um baralho na mão, e o sabor adocicado e seco do álcool na boca.

Meia dúzia de clics.
E.

A mão acaricia a superfície fria do portátil.

Talvez.
Se.

Acende um cigarro.
Levanta-se e vai à varanda.
O ar que respira cheira à erva cortada no final do dia, e as cigarras preenchem todos os silêncios.
E não.
Não são o suficiente para aplacar as suas inquietudes.





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