quinta-feira, dezembro 30, 2021

A minha tia Augusta

A minha tia Augusta partiu duas semanas antes do Natal.
Tinha já 96 anos (pelas minhas contas...).

A minha tia Augusta já estava separada do meu tio João quando a conheci, mas sempre foi minha tia!


A minha tia Augusta criou uma menina de quem gosto muito. Que se tornou uma prima, mãe, amiga, esposa que admiro. E por isso convidei para minha madrinha de casamento.

Mas no velório da minha tia Augusta o meu pensamento fixou-se nos meus primos mais novos.
Lá estavam os três. Cúmplices como sempre, unidos, a comunicarem com o olhar, a moverem-se juntos como que numa dança, a cantarem afinados com uma fluidez de quem sente o outro sem ter de o pensar.
Estão à volta dos 30 e continuam a funcionar juntos como uma matéria orgânica.

E lembrei-me deles pequeninos. Bem pequeninos.
O J. é o primeiro bebé de que me lembro. As minhas memórias são obviamente reconstruídas, mas a primeira recordação que tenho é de um bebé sério, pouco sorridente (conheci-o num mau dia, seguramente). Opinião que mudou completamente depois do nascimento do M. A partir daí só me lembro de sorrisos e de um menino bem comportado e erudito.  Com 7/8 anos lá declamava ele para as visitas: "No comboio descendente, vinha tudo à gargalhada..."

O M. Um bonacheirão. Bebé grande! Pachorrento. Sempre tranquilo. E com um grande apetite! Menino calado e doce. Que queria, porque queria, tocar um instrumento que não era indicado para ele, qual era? Flauta? por causa de um problema no ouvido. De todos o mais enigmático para mim.

E a A. A doce A. A menina tão esperada. Tão doce. Tão pequenina. Um sorriso lindo que mantém até hoje. Uma perspicácia, uma acutilância, uma capacidade de perceber o outro. Uma generosidade imensa. No dia do meu casamento, era a A. menina, seguiu-me para todo o lado, encantada com "a noiva" e o vestido...


Eu com os meus primos na Expo 98


Os três. Que sempre vi tratarem a avó com uma disponibilidade ternurenta. Pacientes e tolerantes. Com humor e amor. Ali estavam, juntos, sem choros, com o coração aberto, em dádiva, com amor. Os três.

E eis que o J. aparece co um desenho feito pela sua I., a bisneta da tia Augusta, agora com pouco mais de um ano, e o oferece à avó. Um momento tão bonito que fez com que os meus olhos se enchessem de lágrimas. O desenho ficou com a tia Augusta. Foi com ela para onde for que ela tenha ido. 

Eu fiquei com os meus primos no pensamento.
Meninos que foram.
Adultos que são.
E são pessoas tão bonitas.

Nesse dia, perante a perda, talvez tenham sido meninos de novo.
Foram-no em mim, quando os recordei, um a um.




4 comentários:

  1. Um belo conto da tua vida familiar que gostei muito. Apesar da perda da tua tia ela deixou um legado fantástico e sobretudo unidoa.
    Beijos e umas boas entrada querida amiga de longa data, para ti e todos os teus.

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  2. Obrigado, prima! Beijinho
    Jota

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  3. Independentemente do teor da publicação, que li emocionado, elogiando o conto, passo para desejar um FELIZ ANO NOVO de 2022, extensivo à sua família.
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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  4. A idade vai-nos entristecendo à medida que vamos perdendo quem amamos!
    Talvez a teoria do Woody Allen fosse melhor que esta, a via em sentido inverso ... "começarmos de velhos para novos" !

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