segunda-feira, outubro 16, 2017

Senhora da Serra

"Tocava para as nuvens"    Carlos Farinha   2011

Sentada num penedo, um pouco afastado do caminho, espero. Sei que vão aparecer não tarda, subindo a ladeira, e que antes mesmo de os ver vou ouvir as suas vozes compassadas, ritmadas, e o sino do padre João.
A pedra onde me sento pesará mais de uma tonelada (nem sei bem o quanto é uma tonelada), não consigo saber as reais dimensões, parcialmente enterrada na terra, oferece-me hoje a superfície lisa para encosto.
Ocupa-me a ideia de que esta pedra é imortal (como se lhe conferisse vida, num jogo ao desafio com o criador), que permanecerá indiferente a todos os homens que subirão a serra, a todos os fogos, a todas as secas.

Não sou daqui de tras-os-montes, daqui não vejo Bragança, nem sequer Rebordãos, mas sinto no ar o peso de uma angústia que enquanto aqui estou se torna minha também. Não chove! Nas árvores os frutos mirrados não crescem, os pastos não ganharam a tonalidade verde, as ribeiras correm como finos fios de água.
Passei, até aqui chegar, por terras queimadas de fogos recentes. Até eu consigo sentir a esterilidade dessa terra morta, num esforço ainda tão insipiente de reter recursos e recolocar em funcionamento um ecossistema tão complexo e delicado como o destas montanhas.
No meu telemóvel abri a aplicação da meteorologia. Preveem-se baixas de temperatura e chuva para a próxima semana. Mas hoje, está um dia de Verão! E o povo, gentes que fizeram desta serra morada, não se fiam na meteorologia. Leem, com uma ciência secular, os campos e os céus, e neles nem sombras de nuvens, a chuva que os doutores dizem que virá não chegará para alimentar a terra, será pouca.

Começo a ouvir um cântico.
Imagino-os a subir  pelo caminho, rostos cansados e envelhecidos, pelos anos e pelo trabalho, consigo trarão o pesado andor com a imagem da Nossa Senhora da Serra, a quem pedem chuva.
Para mim o recurso ao pensamento mágico por desespero e falta de solução. Para eles uma expressão de fé, uma súplica à mãe.

Passam por mim, ninguém parece reparar que ali estou apenas a poucos metros, em vozes desencontradas cantam e rezam "Santa Mãe de Deus, mandai-nos a chuva, somos filhos teus"
Comovo-me, e desejo genuinamente que chegue a chuva em abundância, aqui em Rebordãos e no resto do país.

E eu penso que os tempos não voltarão a ser os mesmos, e que a voz do povo terá de mudar, que dificilmente se voltará a dizer "Em Trás-os-montes existem nove meses de inverno e três meses de inferno"

E assim vai o mundo

1 comentário:

  1. Subscrevo totalmente e sento-me a teu lado...igualmente triste e muito fora dos carretos...porque 99,9% é provocada por mãos criminosas.

    Um enorme abraço

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