Na passada 6.ª feira, depois de muito tempo, entrei numa sala de espetáculos.
Antes do início, num som quase inaudível para uma sala habituada à capacidade de projeção das grandes vozes e dos nobres instrumentos, foi anunciado que antes do concerto seria tocado o hino da Ucrânia.
Toda a sala se levantou - 1200 espectadores ouviram de pé a melodia que faz o que um hino faz: unir, congregar, com sentido patriótico uma nação.
Provavelmente não estavam ucranianos na sala.
Estávamos “nós”. Os que de longe, preocupados, angustiados, impotentes… e cómodos vamos ouvindo as notícias que chegam desse “longe” tão “perto”.
Nesses poucos minutos várias coisas me passaram pela cabeça:
- As imagens mais poéticas desta guerra - um soldado a declamar poesia sobre o amor e a morte em plena manobra militar. - mulheres ucranianas a alimentar um soldado russo tão jovem e a fazerem um telefonema à sua mãe garantindo-lhe que o filho está bem. - A população civil que foi para a rua tentar impedir que as forças russas chegassem à central nuclear.
- As imagens de que fujo intuitivamente, de obuses a explodir, de tanques a avançar lentamente, de corpos na rua, do terror espelhado nos rostos em fuga, da tristeza dos pais a despedirem-se das mulheres e dos filhos sem a certeza de algum dia os reencontrar. A guerra não tem nada de poético
- Todas as outras guerras de que ninguém fala: Yemen, Iraque, Congo, Líbia, Síria, … que fazem milhões de refugiados, que matam todos os dias centenas, milhares, mas que não beliscando a Europa, e não representando uma ameaça nuclear, ficam confortavelmente fora dos escaparates.
- E a forma que temos de através destas manifestações - o tocar do hino, as concentrações em frente aos órgãos de poder, as bandeiras nos perfies, as cores ucranianas nos monumentos, … - de dizermos uns aos outros que nos importamos mas que não estamos lá. E que a esmagadora maioria de nós não quer estar lá. Que tudo em nós rejeita a ideia do conflito armado face ao qual somos todos meninos. Que o sofrimento nos comove mas que fugimos dele como podemos. Que a nossa vida continua, com viagens, concertos, leituras, com os nossos pequenos dramas pessoais.
Mas tocamos o hino da Ucrânia…
Como quem sabe que a guerra está próxima mas suficientemente distante para que nos possamos dedicar ao prazer do espectáculo que vamos iniciar.
A ambiguidade humana.
Eros e Thanatos.
E a culpabilidade (legítima e natural) mitigada com o pôrmos em comum, durante os breves momentos de um hino, toda a preocupação que nos acompanha nos últimos dias.
Depois…
Siga a música!
O cidadão comum não pode fazer mais nada.
ResponderEliminarE essa sensação de impotência incomoda muito.
Boa semana
Sim outras guerras continuam há anos e anos e pouco ou nada se faz ou mostram. Perante todas e mais esta feita por um louco, como meros peões que somos de um mundo enlouquecido, não podemos fazer nada!
ResponderEliminarCusta-me ver as imagens porque passei o mesmo e muitos que falam não sentiram na pele o desastre da colonização. Gostei do texto e oxalá que tudo passe rápido embora diga que o mundo mudou.
Beijocas e um bom dia
Tens toda a razão. Mas é suposto ser assim mesmo. Temos de seguir com as nossas vidas. Vidas essas situadas noutra realidade. Até mesmo os Ucranianos, quando na emin~encia de uma invasão, se recusaram a acreditar nela até que o momento não dava para negar mais. O mesmo fizeram tantos judeus, na segunda guerra mundial diante da ameaça Nazi. Muitos achavam impossível que lhes tirassem as casas, as posses e fossem fazer o que lhes fizeram. Até ser tarde demais.
ResponderEliminarFaz parte da natureza humana, querer acreditar no melhor, mesmo diante do pior e levar a vida como se nenhuma ameaça fosse ainda sinal de que algo mau está no horizonte.